Não que se lembrasse do "Ai ! tão pequenina e já d'óculos", com que a gente que à sua volta se juntava a brindava num misto de espanto e comiseração . Era a mãe quem, mais tarde , lhe falava por graça desse episódio da sua infância.
Mariazinha tinha sido estrábica , foi operada cedo por volta dos cinco anos. Uns óculos minúsculos de massa esverdeada, tapados no olho esquerdo com adesivos pardos , continuavam no seu quarto e as fotografias da altura davam-lhe uma ideia da imagem que tinha nessa época.
(Aos seis tiraram-lhe as amígdalas, mas deram-lhe gelados em barda e uma espécie de mazagran de cevada que lhe ficaram para sempre na memória.)
Até aos cinco anos Mariazinha dava nas vistas, por assim dizer, chamava a atenção. Não fora um olho desalinhado, teria sido uma criança que passava despercebida.
Foi o que aconteceu mal o olho foi ajustado. Deixaram de reparar nela.
Cresceu pouco e cresceu muito sozinha. Acanhada, os amigos que tinha contavam-se pelos dedos. Tornou-se uma mulher pequena , solitária e tímida
Um dia conheceu um homem muito grande, sedutor, manipulador.. Impunha-se, não a largava.
No calor de uma questiúncula ele atirou-lhe que ficava linda quando se irritava, porque os olhos viajavam às avessas , cada um para seu lado.
Aí sim: veio-lhe à cabeça o " tão pequenina já d'óculos", tantas vezes falado, mas nunca sentido.
-Como adivinhaste? - perguntou-lhe amarela-atónita
-Adivinhei o quê??!!! - retorquiu vermelho-fúria
-Que fui estrábica...
-Adivinhei nada , não foste: és!
Estupidamente, apaixonou-se por ele. Casaram no mês seguinte, prendeu-a até morrer.
LCB
Excelente!
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