terça-feira, 22 de junho de 2010

O amor aos 10 anos


O amor aos 10 anos

A conversa ia longa. Entre mãe e filhos discutiam-se a brincar temas sérios: falava-se de sentimentos, de lealdade, de desabafos entre amigos, de gostar de alguém,da diferença entre ser amigo e estar apaixonado....
Dizia a mãe que quando gostamos de alguém com amor, descobrimos que o simples "dar a mão" nos causa arrepios e que essa sensação é tão boa, que se lhe deve dar toda importância que deve ter na vida de uma pessoa. Por isso não se devem vulgarizar os namoros. Ou a outra pessoa nos faz sentir essas coisas extraordinárias, ou mais vale continuar a ser um bom amigo dela.

Na realidade quando somos muito pequenos tudo nos parece extraordinário.Por outro lado, hoje em dia, o namoro é frequentemente vulgarizado. Quem não ouviu, perguntar-se a crianças que mal sabem falar" Já tens namorada(o)?".

Entre perguntas e afirmações do filho mais novo " Mas a mãe deixa-me ter uma namorada? É que se a mãe me deixar eu arranjo uma em três tempos!", " olés!" do mais velho e conselhos sussurrados do filho do meio " se tiveres, não contes nada, senão a mãe farta-se de gozar", a mãe decretou que eram livres de ter namoro, pois lá em casa o regime era quaaaase democrático, mas que gostaria e achava até que tinha o dever/ direito(claro que a expressão gerou alarido e confusão, mas a mãe explicou e lá conseguiu restabelecer a ordem), dado serem todos menores e estarem sob a sua responsabilidade, de ser informada do facto pelo filho namorado e não por outra pessoa. Alem disso a mãe gostaria muito de conhecer a rapariga namorada. Se essa regra não fosse cumprida e a mãe descobrisse o namoro por outra via, poderia muito bem acontecer o que temia o filho do meio: piadas, graçolas que poderiam incomodar e envergonhar do filho namorado. No entanto poderiam estar sossegados pois a mãe não iria impedir qualquer namoro.

Passaram-se semanas...

Um dia entre a mãe e o filho mais novo a amizade voltou a ser assunto. A mãe disse ao pequeno que ter amigos é muito bom e é com eles que se deve desabafar. Mas acontece que, muitas vezes, os amigos que temos na infância não ficam para sempre, pois à medida que crescemos e ficamos todos diferentes, também a vida se transforma. Mas uma coisa é certa: a mãe será sempre amiga em todas as idades e em qualquer circunstância, e por isso, sempre pronta a ouvir desabafos, conversar e aconselhar os filhos.
Havia dúvidas "Mas há dias em que a mãe diz que é só mãe...", que foram esclarecidas: "Isso acontece porque nesses dias a mãe sente que o filho não foi amigo; por exemplo: a mãe, cansada, pede para ajudar a carregar as compras, o filho não quer saber, berra o célebre estou a ir! e continua a ver televisão. Nessa altura a mãe, sentida, tem que mandar, ordenar (muitas vezes grita a ordem, o que a cansa ainda mais) e obriga o filho a cumprir. É então que a mãe é só mãe, porque o filho foi só filho e também não foi amigo".
Então o filho foi dizendo que "Ai...tenho uma coisa para lhe contar, mas não tenho coragem...A mãe encorajava" Vá lá...", mas o filho começou com "Eu", seguiu com "gogogogo" acompanhado de um intenso gesticular, intercalado com desaparecimentos da cara que embrulhava nos braços, suspiros, levantar de ombros e acabou com ..." Tenho vergonha! A mãe já sabe, vá, diga lá..", quase a pedir por favor. " Não sei nada!É coisa má?". Soou um aliviado "Não!". Mas a mãe tinha que prometer que não ia ficar zangada. Porque ficaria a mãe assim se não havia más notícias? Então soltou " Eu..... go...s..to de uma rapariga. Já está!" A mãe(que já tinha percebido tudo)ficou mesmo espantada, "Ai sim? E ela gosta de ti?", "sim!", "Como é que sabes?", "Ela disse-me.", "Ah!e agora?", "Agora nada.", "Já lhe deste beijinhos? ", " Não, tínhamos combinado dar o primeiro na escola, no último dia de aulas, mas não pude ir ter com ela porque o mano teve furo, despachou-se muito cedo e tive que vir para casa...". Beiça caída e novo encolher de ombros. A mãe, que naquela altura se sentia completamente enternecida e amiga do fundo do coração, apetecia-lhe fazer de conta que era só amiga daquela criança e deixar o papel de mãe para depois. E veio o " se a mãe me deixasse ter facebook... ela tem!" A mãe teve que voltar ao seu papel de sempre,"Eu não tenho, não gosto nada dessas coisas,nem pensar,porque", " Masó mãe, aquilo não é nada perigoso ,só lá entra quem eu quiser, estão lá todos os meus amigos, quer ver?". E a mãe que "nem pensar nisso, alem de que este ano as notas não tinham sido famosas..
" E mail, também não posso ter?" A mãe demorou algum tempo a responder que talvez para o ano se tudo corresse melhor e houvesse muita leitura, " Vá lá mãe, ela nunca responde aos meus sms e assim não posso falar com ela", "Então se calhar não gosta de ti!", " Gosta, gosta que ela disse-me. Não deve ter dinheiro, mazé...".
Bolas! A mãe não queria mas estava a envolver-se no drama e na urgência do filho. Sempre tinha dito que a criança não teria e-mail tão cedo e nunca se tinha deixado comover com o habitual "todos têm,até o...,só eu é que não!". Ao mesmo tempo a inocência , pureza e perseverança do filho comoviam-na. Mas sobretudo apreciava com imensa admiração e orgulho o respeito,rectidão, bravura e confiança do filho ao revelar-lhe assim a sua intimidade. Era isso que há semanas atrás, naquela conversa a mãe tinha querido transmitir aos filhos ao emitir o "decreto maternal sobre namoros". Então decidiu e sentiu-se privilegiada por poder entregar ao filho o prémio que ele tão justamente tinha conquistado. Sem mostrar o quanto estava derretida, declarou que permitia o e-mail, mas continuava a proibir o facebook.
Nunca mais se esquecerá do abraço apertado que recebeu, antes do filho saltar rapidamente do sofá para, entusiasmado, ir a correr pedir ajuda do irmão mais velho na criação do seu primeiro endereço de correio electrónico.