terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

CARNAVAL

A vida é uma tremenda bebedeira.
Eu nunca tiro dela outra impressão.
Passo nas ruas, tenho a sensação
De um carnaval cheio de cor e poeira...


A cada hora tenho a dolorosa
Sensação, agradável todavia,
De ir aos encontrões atrás da alegria
Duma plebe farsante e copiosa...


Cada momento é um carnaval imenso
Em que ando misturado sem querer.
Se penso nisto maça-me viver
E eu, que amo a intensidade, acho isto intenso

De mais... Balbúrdia que entra pela cabeça
Dentro a quem quer parar um só momento
Em ver onde é que tem o pensamento
Antes que o ser e a lucidez lhe esqueça...

Automóveis, veículos, (...)
As ruas cheias, (...)
Fitas de cinema correndo sempre
E nunca tendo um sentido preciso.

Julgo-me bêbado, sinto-me confuso,
Cambaleio nas minhas sensações,
Sinto uma súbita falta de corrimões
No pleno dia da cidade (...)

Uma pândega esta existência toda...
Que embrulhada se mete por mim dentro
E sempre em mim desloca o crente centro
Do meu psiquismo, que anda sempre à roda...

E contudo eu estou como ninguém
De amoroso acordo com isto tudo...
Não encontro em mim, quando me estudo,
Diferença entre mim e isto que tem

Esta balbúrdia de carnaval tolo,
Esta mistura de europeu e zulu
Este batuque tremendo e chulo
E elegantemente em desconsolo...

Que tipos! Que agradáveis e antipáticos!
Como eu sou deles com um nojo a eles!
O mesmo tom europeu em nossas peles

E o mesmo ar conjuga-nos
Tenho às vezes o tédio de ser eu
Com esta forma de hoje e estas maneiras...
Gasto inúteis horas inteiras

A descobrir quem sou; e nunca deu
Resultado a pesquisa... Se há um plano
Que eu forme, na vida que talho para mim
Antes que eu chegue desse plano ao fim

Já estou como antes fora dele. É engano
A gente ter confiança em quem tem ser...
(...)
Olho p'ró tipo como eu que ai vem...
(...)
Como se veste (...) bem
Porque é uma necessidade que ele tem
Sem que ele tenha essa necessidade.

Ah, tudo isto é para dizer apenas
Que não estou bem na vida, e quero ir
Para um lugar mais sossegado, ouvir
Correr os rios e não ter mais penas.

Sim, estou farto do corpo e da alma
Que esse corpo contém, ou é, ou faz-se...
Cada momento é um corpo no que nasce...
Mas o que importa é que não tenho calma.

Não tenciono escrever outro poema
Tenciono só dizer que me aborreço.
A hora a hora minha vida meço
E acho-a um lamentável estratagema

De Deus para com o bocado de matéria
Que resolveu tomar para meu corpo...
Todo o conteúdo de mim é porco
E de uma chatíssima miséria.

Só é decente ser outra pessoa
Mas isso é porque a gente a vê por fora...
Qualquer coisa em mim parece agora

ÁLVARO DE CAMPOS
( heterónimo de Fernando Pessoa)

Quarteto em Cy - Abre Alas ( Ivan Lins)

O Carnaval das entrelinhas.....


Abre alas pra minha folia
Já está chegando a hora
Abre alas pra minha bandeira
Já está chegando a hora
Apare os teus sonhos que a vida tem dono
E ela vem te cobrar
A vida não era assim, não era assim
Não corra o risco de ficar alegre
Pra nunca chorar
A gente não era assim, não era assim
Encoste essa porta que a nossa conversa
Não pode vazar
A vida não era assim, não era assim
Bandeira arriada, folia guardada
Pra não se usar
Ivan Lins

Trio Morocotó - Tudo bem

  "Swing de nego veio prá gastar sapato no baile"

Canto de Ossanha- Baden Powell e Vinícius de Moraes

( Detesto o Carnaval)

  Baden Powell criou o Afro-Samba , um novo tipo de samba : misturou harmonias dos cantos gregorianos e africanos com a batida dos tambores de cadomblé .
O samba sendo uma manifestação popular brasileira , tem as suas raízes , a começar pelo nome, em África: é uma herança da escravatura negra levada para o Brasil .
 A poesia de Vinicius de Morais trouxe  ainda mais sentimento, profundidade, arrojo ,  magia  à musica brasileira em geral.

Este álbum é belíssimo,  sente-se nele um balanço que caminha para o êxtase... extraordinário. 
Saravá!


 *É a segunda vez que publico esta música. Ontem encontrei este vídeo 
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E depois... depois há esta versão com Miucha, Toquinho e Tom Jobim.
 



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Sim , talvez esta seja, actualmente , a melhor interpretação de Canto de Ossanha . Eu gosto muito.


Canto de Ossanha 
O homem que diz dou
(Não dá)
Porque quem dá mesmo
(Não diz)
O homem que diz vou
(Não vai)
Porque quando foi já
(Não quis)
O homem que diz sou
(Não é)
Porque quem é mesmo é
(Não sou)
O homem que diz "tô"
(Não "tá")
Porque ninguém "tá" quando quer

Coitado do homem que cai
No Canto de Ossanha, traidor
Coitado do homem que vai
Atrás de mandinga de amor

Vai, vai, vai, vai
Não vou
Vai, vai, vai, vai
Não vou
Vai, vai, vai, vai
Não vou

Não vou, que eu não sou ninguem de ir
Em conversa de esquecer
A tristeza de um amor que passou
Não, eu só vou se for pra ver
Uma estrela aparecer,
Na manhã de um novo amor

Amigo, senhor saravá
Xangô me mandou lhe dizer
Se é Canto de Ossanha não vá
Que muito vai se arrepender

Pergunte pro seu Orixá
O amor só é bom se doer
Pergunte pro seu Orixá
O amor só é bom se doer

Vai, vai, vai, vai
Amar
Vai, vai, vai, vai
Sofrer
Vai, vai, vai, vai
Chorar

Dizer, que eu não sou ninguém de ir
Em conversa de esquecer,
A tristeza de um amor que passou
Não, eu só vou se for pra ver
Uma estrela aparecer
Na manhã de um novo amor.

Vai, vai, vai, vai
Amar
Vai, vai, vai, vai
Sofrer
Vai, vai, vai, vai
Chorar
Vai, vai, vai, vai
Dizer
Vai, vai, vai, vai
Amar
Vai, vai, vai, vai
Sofrer
Vai, vai, vai, vai
Chorar
Vai, vai, vai, vai
Viver


A Moda do Entrudo

( pr'animar)

"Eu quero ir para o monte
Eu quero ir para o monte
Onde não veja ninguém
Que no monte é qu'eu estou bem"



*Música Tradicional Portuguesa, da Beira Baixa , Castelo Branco. Era cantada ao som de Adufes. 

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Grande Angular - A morte na primeira pessoa por António Barreto


"Sou favorável à despenalização do suicídio assistido, na exacta medida em que essa decisão depende de mim. A minha liberdade é o principal critério de decisão. E não a religião, a dignidade, a lei ou a pressão familiar.
Os defensores da eutanásia invocam o argumento da dignidade (na vida e na morte) da pessoa humana. Fazem bem. E têm alguma razão. Mas não toda. Também há dignidade na maneira como se suporta a dor e o sofrimento. Também pode haver dignidade no modo como se desiste ou renuncia. Por isso, o argumento da dignidade não deve ser invocado. O principal argumento é para mim a liberdade pessoal, a decisão autónoma, expressa e conhecida."

Leia mais em:

“Tonight You Belong To Me.” - Benjamin J. Ames’ 4-year-old daughter

**Magical**


"When Benjamin J. Ames’ 4-year-old daughter couldn’t sleep because of the fireworks bursting outside their home, he decided to do his best to distract her. Spotting the pink ukulele he gave Adelaide for her birthday, he sprung into song, strumming the cords of their favorite song, “Tonight You Belong To Me.” Ames got his inspiration from “The Jerk,” starring Steve Martin who performs a duet of the song in the film."

As quatro canções que seguem

As quatro canções que seguem
Separam-se de tudo o que eu penso,
Mentem a tudo o que eu sinto,
São do contrário do que eu sou...

Escrevi-as estando doente
E por isso elas são naturais
E concordam com aquilo que sinto,
Concordam com aquilo com que não concordam...
Estando doente devo pensar o contrário
Do que penso quando estou são.
(Senão não estaria doente),
Devo sentir o contrário do que sinto
Quando sou eu na saúde,
Devo mentir à minha natureza
De criatura que sente de certa maneira…
Devo ser todo doente — ideias e tudo.
Quando estou doente, não estou doente para outra coisa.

Por isso essas canções que me renegam
Não são capazes de me renegar
E são a paisagem da minha alma de noite,
A mesma ao contrário...

 Alberto Caeiro
( heterónimo de Fernando Pessoa)