“Guardei na gaveta de baixo
a flor que trazia nos dedos
à hora de adivinhar-te.
Primeiro
foste apenas uma ideia
que me segurou na porta
da cozinha quando ia
meter numa garrafa verde
um malmequer amarelo.
Fiquei ali
à espera que te transformasses
em certeza ou em música.
Lembro-me que havia um sol bonito
a enquadrar a cesta dos pimentos
Lembro-me do chiar mansinho
da panela da sopa
Lembro-me do gato.
Olhou-me
e li nos seus olhos feiticeiros
o recado que os teus ainda não podia dar-me
sou que tinhas sido arremessado à praia do meu corpo pela espuma desfeita
das vagas de setembro.
Como um grão de areia
uma pepita de ouro
um búzio
Pude então mover-me andar
sorrir de novo
abrir a gaveta de baixo
guardar a flor do meu segredo.”
― Rosa Lobato de Faria
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