sábado, 23 de agosto de 2014

Provincianos por Mae Preocupada

Lido em Mãe Preocupada, um blogue que não pára de me surpreender. Muito bom.http://maepreocupada.blogspot.pt/2014/08/provincianismo.html


Provincianos
O provinciano não é o que está encafuado no interior do país, não vive na ignorância e no espanto do google e dos QR Codes, não cheira a mofo nem a fumeiro, não é o que se mete num taxi para ver o mar, aquele a quem cai o queixo quando vê o Centro Cultural de Belém, a livraria Lello, as esplanadas mais cotadas nos guias e revistas, não é o que se ficou pela quarta classe, o que usa os animais para aliviar tensões ou parou no tempo da outra senhora. O provinciano português, tão mal disfarçado que chega a enternecer, tão antigo e presente que pode assustar, é o que comete a proeza linguística de compor por justaposição a arrogância e a subserviência, tem prazer em estender o pé para que lhe engraxem as botas enquanto se curva para as lamber a outros, e este modo empertigado de ajeitar a roupinha para logo a seguir a tirar e se virar de costas.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Danças e cantaes do Minho- Cantadeiras do Vale do Neiva

  Nem só de concertinas, chulas e viras é feito o folclore  minhoto. Nesta região canta-se muito e bem , de forma muito própria. Vulgarmente desvalorizados,  como se tratassem de  gritos e vozes esganiçadas, os cantares do Minho são afinadíssimos nos seus tons agudos e ricos nas palavras. Pena é que não sejam mais divulgados ( ao contrário do que acontece  relativamente ao que se canta noutras regiões, nomeadamente o Alentejo) e que, pela  internet fora, pululem vídeos de registo de som e imagem de péssima qualidade. É uma coisa que me custa a compreender . 
Por isso,  hoje publico um belíssimo  filme realizado há muitos anos .
 Nas palavras de José  Luís da Rocha Paris  a quem agradeço esta oportunidade " Este vídeo (...)foi filmado em Vila Praia de Ancora há muitos anos pelo menos 15 anos. Mesmo 17 anos. Por um lado foi Jean-Pierre Bertrand quem o filmou e por outro lado eu próprio. Infelizmente nessa altura a minha câmera que era muito boa não chegava para dar toda a luz a essas cantadeiras do Neiva"
 




Mas  as Cantadeiras do Vale do Neiva existem ainda hoje e, na minha opinião, são um dos melhores grupos de cantares do Minho da actualidade.

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Music Gallery - John Clayton - The Walking Bass

Não passo um dia sem te desejar



Nice, ano IV, 30 de Março de 1796

Não passo um dia sem te desejar, nem uma noite sem te apertar, nos meus braços; não tomo uma chávena de chá sem amaldiçoar a glória e a ambição que me mantêm afastado da vida da minha vida. No meio das mais sérias tarefas, enquanto percorro o campo à frente das tropas, só a minha adorada Josefina me ocupa o espírito e coração, absorvendo-o por completo o pensamento. Se me afasto de ti com a rapidez da torrente de Ródano, é para tornar a ver-te o mais cedo possível. Se me levanto a meio da noite para trabalhar, é no intuito de abreviar a tua vinda, minha amada.


E no entanto, na tua carta de 23, tratas-me na terceira pessoa, por Senhor! Que mazinha! Como pudeste escrever-me uma carta tão fria? E depois, entre 23 e 26 medeiam quase quatro dias: que andaste tu a fazer, porque não escreveste a teu marido?... Ah, minha amiga, aquele tratamento do “senhor” e os quatro dias de silêncio levam-me a recordar com saudade a minha antiga indiferença. (…) Isto é pior que todos os suplícios do Inferno. Se logo deixaste de me tratar por tu, que será então dentro de quinze dias?! Sinto uma profunda tristeza, e assusta-me verificar a que ponto está rendido o meu coração. Já me queres menos, um dia deixarás de me querer completamente; mas avisa-me, então. Saberei merecer a felicidade…

Adeus, mulher, tormento, felicidade, esperança da minha vida, que eu amo, que eu temo, que me inspira os sentimentos mais ternos e naturais, tanto como me provoca os ímpetos mais vulcânicos do que o trovão. Não te peço amor eterno nem fidelidade, apenas a verdade e uma franqueza sem limites. No dia em que disseres: “Quero-te menos”, será o último dia do amor. Se o meu coração atingisse a baixeza de poder continuar a amar sem ser amado, trincá-lo-ia com os dentes.

Josefina: lembra-te do que te disse algumas vezes: a natureza faz-me a alma forte e decidida. A ti, fez-te de rendas e de tule? Deixaste ou não de me querer? Perdão, amor da minha vida. A minha alma está neste momento dividida em várias direcções e combinações, e o coração, só em ti ocupado, enche-se de receios…
Enfada-me não te chamar pelo teu nome, mas espero que sejas tu a escrevê-lo.
Adeus. Ah, se me amas menos, é porque nunca me amaste. Tornar-me-ias então digno de lástima.


Napoleão

P.S. – A guerra este ano está irreconhecível. Mandei distribuir carne, pão, e forragens à minha cavalaria prestes a pôr-se em marcha. Os soldados patenteiam-me tal confiança que não tenho palavras para descrever-te. Só tu me causas desgostos. Só tu, alegria e tormento da minha vida. Um beijo aos teus filhos, de quem não me dás notícias. Ai, não! – levar-te-ia a escrever o dobro, e as visitas das dez da manhã não teriam o prazer de te ver. Mulher!!!


* há versões mais curtas e ligeiramente diferentes desta casta. Esta é a mais completa que encontrei . Não é, no entanto, garantido que todo o seu conteúdo seja autêntico