sexta-feira, 9 de maio de 2014

Os trabalhadores unidos vão ser todos despedidos.

O homem do sindicato voltou com a conversa dos direitos. Foi decidido em plenário ignorarmos a doutora e continuarmos a ir trabalhar todos os dias. Sim, agora as reuniões passaram a plenários. A gente pequena está eufórica. Sentem-se a melhor classe operária do mundo. Coitados. Até lhes começamos a achar graça. Sentados, muito direitos, muito atentos, a tentar processar, com os dois neuroniozinhos que Deus lhes deu, os palavrões dos direito e da luta que o homem do sindicato e os amigos que apareceram para animar a revolta vão gritando dos fundos do refeitório. Pela primeira vez alguém lhes dirige a palavra e não é para lhes dar uma piçada. Vivem momentos históricos. Os trabalhadores unidos vão ser todos despedidos.
(…) Achamos curioso estarmos em greve se estamos todos despedidos. Não sabíamos que era possível estarmos no olho da rua e ao mesmo tempo protestarmos pela falta de condições de trabalho que não existe. É que nem estamos a protestar contra os despedimentos, estamos ainda na fase de reclamações contra os salários em atraso. (…) No último plenário ainda confirmámos com o grande líder se não era preciso termos trabalho para reclamar a falta de pagamentos. Disse-nos que eram detalhes técnicos irrelevantes e o que o que interessava eram os direitos dos trabalhadores.
 
  mas quem não tem trabalho tem direitos sobre o trabalho que não tem?
   os trabalhadores têm sempre direitos
  E quando não têm trabalho também são trabalhadores?
  São, pois, são trabalhadores oprimidos.
  oprimidos por quem?
  por quem os despediu
  e isso não faz deles desempregados?
  um trabalhador de verdade nunca está desempregado
  e quando tá sem trabalho?
  está a ser injustiçado pela classe patronal, que só pensa no lucro, mas nem por isso deixa de     ser quem é, quem nasce trabalhador morre trabalhador
é como se fosse uma deficiência, atão. 

Em
Maria dos Canos Serrados - Ricardo Adolfo

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