quinta-feira, 22 de maio de 2014

Oh my love ♪ Jacky Terrasson & Cécile McLorin Salvant ♪♫ deaprojekt

Beautiful!.
It's made my day today.



Oh my love for the first time in my life
My eyes are wide open
Oh my love for the first time in my life
My eyes can see

I see the wind
Oh, I see the trees
Everything is clear in my heart
I see the clouds
Oh, I see the sky
Everything is clear in our world

Oh my love for the first time in my life
My mind is wide open
Oh my lover for the first time in my life
My mind can feel

I feel the sorrow
Oh, I feel dreams
Everything is clear in my heart
I feel life
Oh, I feel love
Everything is clear in our world

John Lennon

terça-feira, 20 de maio de 2014

Atirei o pau ao gato- Eugénia Melo e Castro


Miau!!!!



(..... a completar depois....)

AQUELE CASAL

Aquele casal, o marido me honra com suas confidências:
- Ultimamente, a Elsa anda um pouco estranha. Não sei o que é, mas não me agrada a sua evolução.
- Como assim?
- Deu para usar estampados berrantes, de mau gosto, ela que era tão discreta no vestir.
- É a moda.
- Pode ser o que você quiser, porém minha mulher jamais se permitiu esses desfrutes.
- Deixe Dona Elsa ser elegante. Não há desfrute em seguir o figurino.
- Se fosse só o figurino. São as maneiras, os gestos.
- Que é que tem as maneiras, os gestos?
- A Elsa parece uma menina de quinze anos. Ficou com os movimentos mais leves, um ar desembaraçado que ela não tinha, e que não vai bem com uma senhora casada.
- Posso dar opinião? As senhoras casadas não perdem a condição feminina, e pode até realçá-la por uma graça experiente.
Fixou-me suspeitoso:
- Que é que está insinuando?
- Nada. A mulher casada desabrochou, não é mais um projeto, pode revelar melhor o encanto natural da personalidade.
- Pois fique com suas teorias, que eu não quero saber de minha mulher revelar seu encanto a ninguém.
- Perdão, eu…
- Já sei. Estava querendo desculpar a Elsa.
- Desculpar de quê?
- De tudo que ela vem fazendo.
- Eu ignoro tudo, e adivinho que não há nada senão…
- Senão o quê?
- Aquilo que o dicionário chama de ente de razão, uma fantasia completamente destituída de razão.
- Acha então que estou maluco?
- Acho que está sonhando coisas.
- E a flor que ela trouxe ontem para a casa é sonho? Me diga: é sonho?
- Que é que tem trazer uma flor para casa?
- Veio do oculista e trouxe uma rosa. Acha direito?
- Por que não?
- Eu apertei, ela me disse que foi o oculista que deu a ela. Estava num vaso, ela achou bonita, ele deu.
- E daí?
- Então uma senhora casada vai ao oculista e o oculista lhe dá uma rosa? Que lhe parece?
- Que ele é gentil, apenas.
- Pois eu não vou nessa gentileza de oculista. Não há rosas nos consultórios de oftalmologia. E que houvesse. Tem propósito uma coisa dessas? Ela acabou chorando, dizendo que eu sou um bruto, um rinoceronte. Engraçado. Minha mulher vem com uma rosa para casa, uma rosa dada por um homem, e eu não devo achar ruim, eu tenho que achar muito natural.
- Desde quando é proibido uma senhora ganhar flor de uma pessoa atenciosa? Que sentido erótico tem isso?
- Tem muito. Principalmente se é rosa. Ora, não tente negar o significado das ordens florais entre dois sexos. O oculista não podia dar essa flor, nem ela podia aceitar. O pior é que não deve ter sido o oculista.
- Quem foi, então?
- Sei lá. Numa cidade do tamanho do Rio, posso saber quem deu uma rosa a minha mulher?
- Vai ver que ela comprou na loja de flores da esquina, e disse aquilo só para fazer charminho.
- Ela nunca fez isso. Se fez agora, foi para preparar terreno, quando chegar aqui uma corbelha de antúrios e hibiscos.
- Não diga uma coisa dessas.
- Digo o que penso. Estou inteiramente lúcido, só me conduzo pelo raciocínio. Repare no encadeamento: os vestidos modernos; os modos (só vendo a maneira dela se sentar no sofá); a rosa, que ela foi correndo levar para a mesinha de cabeceira do quarto. Cada uma dessas coisas é um indício; reunidas, são a evidência.
- Permita que eu discorde.
- Discorda sem argumentos. A Elsa não é mais a Elsa. Demora mais tempo no espelho. Fica olhando um ponto no espaço, abstrata. Depois, sorri. Estou decidido.
- A quê?
- Vou segui-la daqui por diante. Contrato um detetive. E logo que tenha a prova, me desquito.
- Não vai ter prova nenhuma, juro. Ponho a mão no fogo por Dona Elsa.
- Pensei que você fosse meu amigo. Fiz mal em me abrir. Vamos mudar de assunto que ela vem chegando. Mas repare só que os olhos de Capitu que ela tem, eu nunca havia reparado nisso!
Esquecia-me de dizer que meu amigo tem 82 anos, e Dona Elsa, 79.

Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Pascal Quignard

Les poissons sont de l’eau à l’état solide.
 Les oiseaux sont du vent à l’état solide.
 Les livres sont du silence à l’état solide.

Tiago Bettencourt - Só Nós Dois





Do Albúm/ Livro: Tiago na Toca e os Poetas
Poema e Música de Joaquim Pimentel


Só nós dois é que sabemos
O quanto nos queremos bem
Só nós dois é que sabemos
Só nós dois e mais ninguém
Só nós dois avaliamos
Este amor, forte, profundo...
Quando o amor acontece
Não pede licença ao mundo.

Anda, abraça-me... beija-me
Encosta o teu peito ao meu
Esquece o que vai na rua
Vem ser minha, eu serei teu
Que falem não nos interessa
O mundo não nos importa
O nosso mundo começa
Cá dentro da nossa porta.

Só nós dois é que sabemos
O calor dos nossos beijos
Só nós dois é que sofremos
As torturas dos desejos
Vamos viver o presente
Tal-qual a vida nos dá
O que reserva o futuro
Só Deus sabe o que será.

domingo, 11 de maio de 2014

Ausência


Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus
                                                                       [braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade, in 'O Corpo'

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Os trabalhadores unidos vão ser todos despedidos.

O homem do sindicato voltou com a conversa dos direitos. Foi decidido em plenário ignorarmos a doutora e continuarmos a ir trabalhar todos os dias. Sim, agora as reuniões passaram a plenários. A gente pequena está eufórica. Sentem-se a melhor classe operária do mundo. Coitados. Até lhes começamos a achar graça. Sentados, muito direitos, muito atentos, a tentar processar, com os dois neuroniozinhos que Deus lhes deu, os palavrões dos direito e da luta que o homem do sindicato e os amigos que apareceram para animar a revolta vão gritando dos fundos do refeitório. Pela primeira vez alguém lhes dirige a palavra e não é para lhes dar uma piçada. Vivem momentos históricos. Os trabalhadores unidos vão ser todos despedidos.
(…) Achamos curioso estarmos em greve se estamos todos despedidos. Não sabíamos que era possível estarmos no olho da rua e ao mesmo tempo protestarmos pela falta de condições de trabalho que não existe. É que nem estamos a protestar contra os despedimentos, estamos ainda na fase de reclamações contra os salários em atraso. (…) No último plenário ainda confirmámos com o grande líder se não era preciso termos trabalho para reclamar a falta de pagamentos. Disse-nos que eram detalhes técnicos irrelevantes e o que o que interessava eram os direitos dos trabalhadores.
 
  mas quem não tem trabalho tem direitos sobre o trabalho que não tem?
   os trabalhadores têm sempre direitos
  E quando não têm trabalho também são trabalhadores?
  São, pois, são trabalhadores oprimidos.
  oprimidos por quem?
  por quem os despediu
  e isso não faz deles desempregados?
  um trabalhador de verdade nunca está desempregado
  e quando tá sem trabalho?
  está a ser injustiçado pela classe patronal, que só pensa no lucro, mas nem por isso deixa de     ser quem é, quem nasce trabalhador morre trabalhador
é como se fosse uma deficiência, atão. 

Em
Maria dos Canos Serrados - Ricardo Adolfo

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Gene and Niki Harris

Down Home Blues

Calçada de Carriche

Luísa sobe, 
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.

Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas,
não dá por nada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu da sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada;
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce a calçada,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
António Gedeão


 
musica de José Nisa
orquestração de José Calvário
Voz de Carlos Mendes