“
De cima do monte, o Tojal tem o tamanho de uma mão. É um daqueles lugares que
Portugal deixou morrer, mas agora, com o descalabro – e de certa forma foi para
nos afastarmos dele- que fugimos durante alguns dias -, talvez as pessoas
voltem às tocas para lamber as feridas. O descontentamento sobe pelas paredes,
rebenta com o betão, mas não sai do sítio. Implodimos mais do que explodimos e
tudo fica na mesma, a não ser, claro, as nossas circunferências, que são
desfeitas. Vivemos como sacos de carne podre muito bem fechados e contidos mas
a morrer por dentro. As manifestações não são mais do que uma ruptura nessa
morte, como os afogados que ainda tentam respirar antes de a água os engolir.
(…)
Quando isto acabar, quando a crise tiver outro
nome, sobreviveremos cada um para o seu canto, cada um mais estropiado do que o
outro. Depois aos poucos, voltará tudo ao normal um certo belo dia em Lisboa,
daqueles que Lisboa tem, como já ninguém se lembra do descalabro e até está uma
brisa agradável, alguém arranjará como nos lixar outra vez.
Mas,
enfim, que sei eu? Não passam de considerações à vista de uma aldeia
abandonada.”
* lendo apenas esta passagem não se imagina qual é o tema do livro - a relação entre dois irmãos , um deles com o síndrome de Down -, nem a singularidade notável com que é tratado.
Também do ponto de vista literário este romance é especial. A forma invulgar como o autor ( nascido em 1990) intercala no texto os pensamentos do narrador, que fala com os seus próprios botões (a tal nuvem, em cima da cabeça do personagem, da banda desenhada), o uso inspiradíssimo de imagens, metáforas e comparações, dão a esta obra a expressividade e "tonalidade lírica" que a tornaram merecedora do prémio Leyca 2014.
Gostei muito de o ler.
( e pronto, fiz uma redacção .
Era assim que se chamava há, muitos e durante, anos - sem atrás , mas a fio - a composição nos exercícios escritos da disciplina de língua portuguesa. Talvez erradamente, talvez não... Diferente , com certeza.)