OBJECÇÃO
Mas é bom que saibas
que é porque te adoro
que procedo assim!
Na planície nua,
árida,
sem flores,
tão soalheira que parece intemporal,
procuro tua imagem,
teimoso.
Não sei,
confesso,
se vou correndo atrás de uma miragem,
sinal do que tenho dentro,
se estou construindo dor no meu futuro.
À planície nua,
árida,
sem flores,
dei tudo quando ainda tinha,
até o húmus que já ia nascendo
no canteiro que juntos semeámos.
E vou ficar só,
esmagado entre o amor e o dever,
perdido entre cartas ao baralho,
pensando para mim que te adoro,
mas tendo de ficar como espartilho
- nesta via senil de descer suavemente
os degraus que me afastam do teu "podium".
Sombras negras hão-de cobrir,
hão-de destruir
o pouco que me sobra luminoso,
que ainda eu perseguirei
triste,
teimoso,
a tua imagem...
Na planície nua,
árida,
sem flores,
do canteiro que juntos semeámos,
restarão só translúcidos vapores
que subirão, um dia, ao céu azul
a mostrarem o muito que te queria
nesse tempo que então será passado.
Mas é bom que saibas
que é porque te adoro
que vou deixando,
em cada degrau desta branca escadaria,
as poucas lágrimas que ainda sobram,
deste velho corpo enfim exausto.
Saudade é já palavra vã,
mas a dor está,
e ficará,
em mim.
Não te preocupes, se choro.
Mas nunca esqueças
que é porque te adoro
que procedo assim!
NICOLAU D'ABREU
Fotografia de João Castelo-Branco
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