quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

ENTRADA

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com os sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim: O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz. Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem. Perdoem-me os leitores desta entrada mas vou copiar de mim alguns desenhos verbais que fiz para este livro. Acho-os como os impossíveis verossímeis de nosso mestre Aristóteles. Dou quatro exemplos:1) É nos loucos que grassam luarais; 2) Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Masse o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.

Manoel de Barros ( Brasil, 1916/ 2014), Poesia Completa

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