terça-feira, 31 de outubro de 2017

AFONSO DOS REIS CABRAL- O MEU IRMÃO( excerto)



   “ De cima do monte, o Tojal tem o tamanho de uma mão. É um daqueles lugares que Portugal deixou morrer, mas agora, com o descalabro – e de certa forma foi para nos afastarmos dele- que fugimos durante alguns dias -, talvez as pessoas voltem às tocas para lamber as feridas. O descontentamento sobe pelas paredes, rebenta com o betão, mas não sai do sítio. Implodimos mais do que explodimos e tudo fica na mesma, a não ser, claro, as nossas circunferências, que são desfeitas. Vivemos como sacos de carne podre muito bem fechados e contidos mas a morrer por dentro. As manifestações não são mais do que uma ruptura nessa morte, como os afogados que ainda tentam respirar antes de a água os engolir.
  (…)
   Quando isto acabar, quando a crise tiver outro nome, sobreviveremos cada um para o seu canto, cada um mais estropiado do que o outro. Depois aos poucos, voltará tudo ao normal um certo belo dia em Lisboa, daqueles que Lisboa tem, como já ninguém se lembra do descalabro e até está uma brisa agradável, alguém arranjará como nos lixar outra vez.
   Mas, enfim, que sei eu? Não passam de considerações à vista de uma aldeia abandonada.”



  * lendo apenas esta passagem não se imagina qual é o tema do  livro - a relação entre dois irmãos , um deles com o síndrome de       Down -, nem a singularidade notável com que é  tratado.
    Também do ponto de vista literário este romance é especial. A forma invulgar como o autor ( nascido em 1990) intercala no texto os pensamentos do narrador, que fala com os seus próprios botões (a tal nuvem, em cima da cabeça do personagem, da banda desenhada), o uso inspiradíssimo de imagens, metáforas e comparações, dão a esta obra a expressividade e  "tonalidade lírica" que a tornaram merecedora do prémio Leyca 2014.
Gostei muito de o ler.

( e pronto, fiz  uma redacção .
Era assim que se chamava há, muitos e durante, anos - sem atrás , mas a fio -  a composição nos exercícios escritos da disciplina de  língua  portuguesa. Talvez erradamente, talvez não... Diferente , com certeza.)
 

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